A revolução industrial marcou a História recente da Humanidade. O evento que se iniciou em Inglaterra no final do sec.XXVIII alterou para sempre o modelo económico e social em que vivemos, e que apesar de ter sofrido constantes evoluções manteve-se na essência basicamente imperturbado até hoje, e já vamos em plena 4ª revolução industrial. Os avanços tecnológicos permitiram enormes avanços na produtividade da indústria, produzindo um forte e sustentado crescimento económico com reflexo nos rendimentos das famílias e melhorias das suas condições de vida. A prosperidade deste modelo dependia (tal como ainda hoje) do ciclo virtuoso do consumo, pois quanto mais se consome mais tem de se produzir, e quanto mais se produzir maior riqueza se gera, e quanto maior riqueza se gera melhores condições de vida se proporcionam. Porém, a revolução veio também revelar um outro lado menos virtuoso do modelo com visíveis consequências ambientais, pois esse modelo assenta numa lógica de economia linear baseada na extração contínua de recursos naturais, na sua transformação em produtos e na sua alienação (deitar ao lixo) após o seu uso. A extração contínua de recursos naturais, a sua transformação com tecnologias poluidoras e o consumo excessivo de bens que são descartados após o seu breve uso, conduziu a um aumento sem precedentes das emissões de CO2, de tal forma que hoje falamos em alterações climáticas induzidas pela atividade humana.
A consciencialização do problema ambiental deste modelo teve origem nos inícios dos anos 60 com o surgimento do movimento ecológico. O livro Silent Spring de Rachel Carson (1962) marcou o início do movimento ecológico e ficou famoso pelo estudo apresentado pelos efeitos nefastos do uso do pesticida DDT no ambiente e nos seres vivos, levando à interdição do produto poucos anos mais tarde. Nos inícios dos anos 70 começou a assistir-se ao nascimento das ONGs com missão ambiental, destacando-se a Greenpeace, cujo papel ativista era erigir a consciencialização da população para a problemática ambiental e exercer pressão sobre as grandes corporações poluidoras.
No final dos anos 80, por meio das Nações Unidas, surgiu uma proposta de um novo modelo de desenvolvimento baseada num equilíbrio entre as três esferas económica, social e ambiental. O conceito denominado de desenvolvimento sustentável assenta no princípio que o desenvolvimento para satisfazer as necessidades da geração atual não deve comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. O tema foi ganhando crescente relevância e a academia, a indústria, os reguladores e os consumidores foram dando respostas no sentido de tentar reduzir o impacto da atividade humana. Surgiram então soluções de ecoeficiência, em que se tentava minimizar os impactos ambientais numa lógica de “fazer menos mal”. A reciclagem e a eficiência energética são exemplos do que parecia ser a resposta para os problemas do planeta. Apesar do investimento contínuo em ecoeficiência, as emissões de gases efeito estufa não pararam de subir à medida que a população mundial foi aumentando, bem como o consumo. Assistíamos ao crescimento pujante de economias em desenvolvimento, adotando o mesmo modelo de desenvolvimento ocidental baseado numa economia linear com produção e consumo desenfreado de produtos com ciclos de vida cada vez mais curtos. A lógica da ecoeficiência parecia não estar a dar os frutos desejados com o aumento da população mundial e do consumo, com a dependência de combustíveis fósseis e taxas de reciclagem muito comprometedoras. Começaram então a surgir teorias que sugeriam limites ao crescimento económico ou à população mundial como resposta para os problemas ambientais. Sistemas esses que colocavam em causa o equilíbrio do tripé da sustentabilidade porque restringiam o desenvolvimento económico e consequentemente o progresso social.
Apesar do conceito de economia circular anteceder a 2010, foi nessa altura que a União Europeia abraçou-o como base para o seu modelo de desenvolvimento para as décadas vindouras, assumindo-se globalmente como uma região modelo em matéria de sustentabilidade, e comprometendo-se na Convenção das Nações Unidas para o Clima a atingir a neutralidade carbónica até 2050. Portugal, fazendo parte da UE também assumiu esse compromisso e já lançou inclusive o seu roteiro para a descarbonização a fim de atingir o objetivo carbono zero até 2050.
E o que é a economia circular? Em oposição à economia linear, a ideia de ciclo está no coração da economia circular. Em vez de continuamente se extrair recursos naturais e de se gerar resíduos, a economia circular tem como principio ciclos fechados, tal como podemos observar nos ciclos da Natureza. Nos ciclos fechados o desperdício não existe, e a economia circular assenta em dois tipos de ciclos, ambos com desperdício zero: o ciclo técnico e o ciclo orgânico. No ciclo orgânico, os recursos naturais são extraídos de forma sustentável, a transformação é limpa e abastecida por energias renováveis, e os bens após serem usados são compostados, regenerando novos recursos naturais. No ciclo técnico as matérias-primas provêm de materiais reciclados, a transformação é limpa e abastecida por energias renováveis, os bens são reparados, reutilizados ou reciclados eternamente. Passamos da lógica do “fazer menos mal” da ecoeficiência para o impacto neutro ou positivo da ecoeficácia. Este modelo pressupõe que os produtos sejam concebidos por critérios de ecodesign, que haja uma rede de colaboração entre agentes económicos, tecnologias da informação e comunicação que sustentem e integrem o processo. Desta forma, criam-se novos sectores green na economia, a produção e o consumo deixam de ser um problema, e é possível gerar riqueza e progresso social sem esgotar os recursos naturais.
E como é que o digital pode ajudar na persecução dos objetivos da sustentabilidade?
Pois bem, nem a tecnologia sozinha vai conseguir resolver todos os problemas ambientais e sociais com que hoje lidamos, nem a solução passará por voltarmos à idade da pedra. Na combinação entre métodos naturais e o progresso tecnológico reside o futuro sustentável que ambicionamos. Teremos que repescar algumas soluções tradicionais que fomos abandonando como a tara recuperável (ciclo fechado como na economia circular), consumo de produtos a granel sem embalagem, agricultura sem recurso a químicos de síntese, bens com vida útil prolongada, reparação de produtos avariados, etc. E teremos que tirar proveito do incrível avanço tecnológico que temos vindo a desenvolver e pô-lo ao serviço do que realmente interessa – uma economia próspera, uma sociedade justa e colaborativa, e um planeta fértil. As energias renováveis, a mobilidade elétrica, o tratamento de água ou os novos materiais ecológicos são exemplo do que já desenvolvemos e uma amostra do que poderemos alcançar. A sustentabilidade também conta com a transformação digital como parceiro no caminho da descarbonização. Lembram-se que referimos que a economia circular requer uma rede de colaboração entre agentes económicos, tecnologias da informação e comunicação para sustentar e integrar o modelo? Passo a explicar, ao longo da cadeia de valor da produção, da distribuição, do uso e do fim-de-uso vão-se gerando ineficiências que podem ser eliminadas e resíduos que podem ser reduzidos, reutilizados ou reciclados. Quer na produção, quer na cadeia de abastecimento ou no uso dos produtos, a transformação digital pode ser uma arma poderosa para acelerarmos a descarbonização da economia, e ao mesmo tempo gerar valor económico.