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O futuro não é a reciclagem

Este mês, foi lançada a maior campanha nacional alguma vez concebida com fundos públicos, sobre a reciclagem.

“O Futuro não é reciclável” é o mote desta campanha promovida pela EGF, que visa promover a reciclagem e sensibilizar o cidadão para a importância que as suas atitudes individuais têm no coletivo.

Porquê agora?

Segundo Ana Loureiro, diretora de comunicação da EGF, “Portugal precisa de dar um salto do ponto de vista do comportamento e ter mais material para reciclar”.

Este salto pode estar relacionado com as baixas taxas de reciclagem que Portugal apresenta, recorrentemente, quando comparado com a média europeia. Em 2016, Portugal encontrava-se no grupo dos países na União Europeia com as taxas de reciclagem mais baixas relativamente à reciclagem de vidro e de papel e cartão.  Chegou até a estar em causa o cumprimento das metas traçadas para 2020, para os resíduos urbanos. Em 2018, a taxa de reciclagem rondou os 30%, contudo a meta estabelecida para 2020 era de 50%, tendo sido entretanto adiada para 2022.

É essencial promover a reciclagem?

Sim, aumentar a taxa de reciclagem vai trazer inúmeras mais valias decorrentes da transição para uma economia circular. Além disso, esta pode ter um impacto direto na poupança dos cidadãos por via da Taxa de Gestão de Resíduos Urbanos, que vai aumentar significativamente já em 2021.

Porém, além da reciclagem, existem outros mecanismos que vão igualmente prevenir a incineração ou deposição de resíduos urbanos em aterros, e que são preferíveis no contexto da economia circular. A reciclagem figura o mecanismo menos desejado quando se fala deste modelo. Tal acontece porque, neste mecanismo, os resíduos precisam de uma grande transformação para serem reintroduzir na economia.

Quais são os outros mecanismos a considerar?

Do ponto de vista do design do produto, deve-se tentar prolongar o tempo de vida do produto através da reparação, e tentar reter, ao máximo, o seu valor através da reutilização, da remanufactura e, por último, da reciclagem. Pela mesma ordem de pensamento, do ponto de vista do consumidor, deve ser priorizada:

  • Redução

Consiste em comprar apenas o necessário e optar por produtos duráveis. É evitado o consumo de embalagens, sacos de plásticos, papéis para embrulhos ou outros bens com um tempo de vida curto. Além disso, podemos repensar os bens que temos inevitavelmente de comprar, optando por produtos que não agridam o ambiente, que não possuam elementos tóxicos ou perigosos, que sejam duráveis e que percam o seu valor da maneira mais lenta possível.

  • Reparação

Remete para a recuperação de um bem estragado ou que já não cumpre o propósito para o qual foi comprado. O objetivo principal deste mecanismo é prolongar o tempo de vida e valorizar ao máximo aqueles recursos. Alguns exemplos de reparação pode ser o ajuste no tamanho das roupas, ou o conserto de eletrodomésticos, em vez do descarte e compra de outro produto novo em seu lugar.

  • Reutilização

Consiste em utilizar um bem mais do que uma vez. Na reutilização, não existe transformação do produto, portanto, esta é a melhor estratégia no que toca à valorização dos recursos. Um exemplo de reutilização é a compra de produtos em segunda mão.

  • Reciclagem

Por último, encontra-se a reciclagem, em que os resíduos serão transformados em matéria-prima para serem, de novo, introduzidos no sistema produtivo. Os consumos necessários para fazer esta transformação tornam a reciclagem menos desejada quando comparada com os outros mecanismos anteriormente referidos.

No âmbito da economia circular considera-se ainda que a reciclagem deve ser programada, isto é, desde uma fase inicial, deve ser delineado o caminho que o produto vai percorrer depois daquela primeira utilização. Este conceito remete assim para uma conceção de reciclagem totalmente distinta da que praticamos hoje em dia. Pretende-se que os resíduos sejam devolvidos ao produtor para que este os reintroduza no seu ciclo produtivo ou então, que sejam direcionados para outra empresa, desde que este tenha sido o percurso delineado aquando do design do produto. Deste modo, é possível ter um maior controlo sobre os resíduos, impedindo que vazem para a natureza, além de potenciar a reciclagem de uma maior quantidade material, comparativamente ao sistema de reciclagem tradicional.

Em suma, o vídeo promocional da campanha começa por afirmar que “Somos a primeira geração a sentir os impactos da mudança climática. E a última a tempo de mudar.”, reforçando o caráter urgente da mudança do paradigma atual. Visto que temos tão pouco tempo para mudar (segundo o estudo “Pathways for balancing CO2 emissions and sinks”, publicado na revista Nature Communications, temos agora cerca de 8 anos), não devíamos sensibilizar os cidadãos primeiramente para as estratégias mais desejáveis em vez de tentarmos melhorar os resultados daquela que é a estratégia menos desejável no que toca à gestão dos resíduos?

 

Texto escrito por Inês Alves, especialista em Green Marketing e Economia Circular

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